sábado, 29 de novembro de 2008

GREGORY CORSO



Nasceu em 1930, no Greenwich Village, em Nova York. Filho de uma família paupérrima, passou a infância em orfanatos e reformatórios e mais tarde foi adotado por várias famílias alternadamente. Não escreveu uma autobiografia, mas revisitou a casa natal:

"Permaneço parado na luz escura da rua escura
De sobretudo e cigarro no canto da boca
Chapéu sobre os olhos, um berro na mão
Cruzo a rua e entro no prédio,
As latas de lixo continuam cheirando mal (...)"

Em 1958, Jack Kerouac escreveu: "Considero Gregory Corso e Allen Ginsberg os dois melhores poetas da América. Corso é um garoto durão nascido no Lower East Side que cresceu como um anjo acima dos telhados e canta canções italianas tão lindas qanto Caruso ou Sinatra, só que com palavras de sua alma renascentista." Seymour Krim, que o considera "imprevisível e inclassificável", escreveu: "Contraditório em tudo, Corso reúne um inacreditável refinamento verbal e um talento excepcional ao encanto endiabrado de um moleque de rua." Atualmente, continua sem residência fixa, sem CPF, sem grana e sem destino. Perambula pelos EUA em companhia do filho Max Orfeo.
Bibliografia: The Vestal Lady of Brattle (1955), Gasoline (1958), Bomb (1958), The Happy Birthday of Death (1960), American Expresse (1961), Long Live Man (1962), Elegiac Feelings América (1965), Earth Egg, The Notebook.





ALÔ
É desastroso ser um cervo ferido.
Eu estou muito ferido, os lobos rondam
e tenho meus fracassos também.
Minha carne ficou presa no Gancho Inevitável!
Quando criança vi todas as coisas nas quais não queria me
transformar.
Serei a pessoa que não desejava ser?
Aquela pessoa que-fala-sozinha?
Aquele de quem os vizinhos caçoam?
Serei eu aquele que, nos degraus do museu, dorme de lado?
Estarei usando aroupa do cara que falhou?
Sou um sujeito lunático?
Na grande serenata das coisas,
serei a passagem mais cancelada?


"CAVALO COM LEITE"

Num quarto a colher sobre o fogo
A cozinhar o desejo secreto.
Tudo cozido, ele apanhou um cinto
e correu antes do cavalo derreter.
O cinto foi preso em volta do braço;
a agulha bem limpa para não haver danos
e apertando, apertando, uma veia surgiu.
Com uma puxada o braço começou a doer.
Com mão firme ele esperou inchar -
esperou o sonho que a si orfertava.
E então a agulha avançou plenamente
Mas o cavalo tinha leite, e não deu barato.
Ele foi ao chão sem fazer ruído,
e girou os olhos como um carrossel.
Então se esfregou e sacudiu e puxou os cabelos,
vomitou ar, nada mais do que ar.
No fundo da noite ele rolava e rugia.
Ó alma, você nunca esteve tão chapada neste mundo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

HEINRICH HEINE - Os tecelóes da Silésia



Sem nos olhos sombrios terem lágrimas,
êles movem o tear, rangendo os dentes:

- Alemanha, tecemos-te a mortalha,
lançando contra ti três maldições.
Tecemos, tecemos.

Maldição para o Deus ao qual rezamos no frio inverno e em meio da miséria.
Esperamos em vão o seu socorro.
A todos iludiu, zombou de todos.

Tecemos, tecemos.

Maldição para o rei que é só dos ricos, que a pobreza despreza altivamente,
arrancando nossa última moeda,
e, como cães, nos manda fuzilar!

Tecemos, tecemos.

Maldição para a pátria que nos trai,
e com suas infâmias nos humilha,onde as flôres fenecem muito cedo,
e a podridão os vermes, alimenta.
Tecemos, tecemos.

Voa a lançadeira. O tear está rangendo. Tecemos sem parar, velha Alemanha,
tua negra mortalha, noite e dia,
lançando contra ti três maldições!

Tecemos, tecemos.


Heinrich Heine, poeta alemão contemporâneo e amigo de Marx, foi autor de muitos dos mais populares poemas alemães,
alguns musicados, conhecidos de cor, ainda hoje, por muitos cidadãos da Alemanha e ensinados nas escolas daquele
país.
A poesia de Heine é tão estimada na Alemanha que, durante o período nazi, continuou a ser ensinada, mas os manuais
escolares omitiam o nome do grande poeta progressista...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Só um ponto de vista - Camila Patricia Milani





Assim com não se julga um livro pela capa,
Não se deve julgar ninguém pela carcaça!
Essa pele branca que me cobre
Não faz de mim plebéia e nem nobre...

Essas janelas azuis por onde eu vejo o mundo,
São apenas janelas...
Se fossem verdes, marrons, negras, amarelas...
Não me trariam visões mais feias e nem mais belas!

O que importa os cabelos loiros que me taxam de burra!
O que importa os cabelos pretos taxados de mil e uma utilidades!
Se aqui dentro um sentimento urra
Que partilhamos de uma única identidade: “A Humanidade”!

Somos todos reflexos de um passado podre, recente...
Que nos rotulou e nos dividiu por raças,
Uns como caçadores, outros como caça!
Quando na verdade, todo mundo é gente!!!
Todo mundo sofre! Todo mundo sente!...

Há milhares de anos o chicote vem mudando de mão...
Egípcios aprisionando Judeus,
Brancos aprisionando negros irmãos...
Não adianta mudar de mão...
Ao chicote: Não!!!

Só houve um homem perfeito
Ao qual chamamos de Jesus Cristo.
Para muitos apenas um mito,
Para outros um grande exemplo.

E embora branco ele seja retratado,
Por um raciocínio lógico
Podemos concluir que Cristo
Na verdade era pardo!

Se houve realmente um homem perfeito,
Ele não era branco e nem preto...
E mesmo não assumindo a cor de nenhum dos lados,
Foi chicoteado!
Sacrificado, Crucificado...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Everaldo Nascimento, um poeta emergente da Amazômia!






Everaldo do Nascimento, nasceu no dia 23 de setembro de 1968 - na cidade de Manaus-Am. Estreou no cenário poético em 1991 quando lançou seu 1º livro: O MUNDO MAGICO DO AMOR.
Participou de vários concursos de poesia e musica. Realiza projetos culturais tais como: Folha do Poeta, Concurso de Poesias Poetas Emergentes, Projeto 100% Poesia e outros. Outros livros: A Arte de um Poeta 1997 e Pelos Caminhos da Poesia - 2001. Hoje, está trabalhando para publicar o seu novo Livro intitulado: "NOVO CAMINHAR - Poesia, Reflexão e Testemunho".

"Tem razão o escritor Padre Antonio Vierira (1608-1697), quando afirma que o livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. Assim, o livro contém no seu interior, relatos poéticos de tempos vividos que podem ser revividos... Quando se abre um livro de um poeta, abre-se uma vida, descobre-se um mundo, ganha-se dois amigos: o livro e o poeta.

Everaldo Nascimento-Manaus - AM



BELEZA AMAZONICA

Verdes rios...
num céu azul que encanta
é assim a minha terra
com as cores da
esperança.

No verde os olhos da
flora
com nuvens brancas no céu
e um rio que vai mundo a
fora
na imagem de um papel.

Num clic a vitória regia
no outro a imagem do rio
mostrando nossa beleza
onde o homem não
destruiu.

Poesia de Everaldo Nascimento-Manaus - AM.


Se fosse verdade

Cada palavra
Cada gesto
Cada beijo
(Se fosse verdade...)

Nossos sonhos
Nossos planos
Nossa História
(Se Fosse verdade...)

Nosso amor
Nossas vidas
Feridas pelo tempo
(Se fosse verdade...)

Um simples sorriso
bastaria!
Se fosse verdade.

Poesia de Everaldo Nascimento-Manaus - AM

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A Elite Treme !!! Manifesto Sarau Na Brasa


Nosso Manifesto - A elite TREME
A elite encontra-se nos grandes centros comerciais, rodeada pelas periferias que ela própria inventou.
A periferia se arma e apavora a elite central.
Nas guerras das armas, os ricos reprimem os favelados com a força do Estado através da polícia.
Mas agora é diferente, a periferia se arma de outra forma. Agora o armamento é o conhecimento, a munição é o livro e os disparos vem das letras.
Então agente quebra as muralhas do acesso, e parte para o ataque.
Invadimos as bibliotecas, as universidades, todos os espaços que conseguimos, arrumar munição (informação).
Os irmãos que foram se armar, já estão de volta preparando a transformação.
Mas não queremos falar para os acadêmicos, mas sim para a dona Maria e o seu José, pois eles querem se informar.
E a periferia dispara.
Um, dois, três, quatro livros publicados.
A elite treme.
Agora favelado escreve livro, conta a história e a realidade da favela que a elite nunca soube, ou nunca quis contar direito.
Os exércitos de sedentos por conhecimento estão espalhados dentro dos centros culturais e bibliotecas da periferia.
A elite treme.
Agora não vai poder mais poder falar o que quiser no jornal ou na novela, porque os periféricos vão questionar.
O conhecimento trouxe a reflexão e a reflexão trouxe a ação, e agora a revolta esta preparada, e a elite treme.
Não queremos mais seu tênis, seus celulares.
Não queremos mais ser mão de obra barata, e nem consumidores que não questionam a propaganda.
Queremos conhecimento e transformações nas relações sociais.
A elite treme.
Agora não mais enquadramos madames no farol, e sim queremos ter os mesmos direitos das madames.
E é por isso que a elite TEME.

Vagner Sampaio

Grande Escritor - Desembôco

Uma vírgula pequena no canto da boca, que o escritor esqueceu de pôr e quando viu tava mastigando ela, tempão. Aquela vírgula de dizer a hesitação, a tentativa de não saber pra poder entender melhor. A vírgula de ser inacabado, como o horizonte. Um fã da Clarice lhe disse que a amava com mudo fervor, ao que ela lhe respondeu que todo fervor é mudo.




Como não ter ordem pra escrever um texto, encontrar a vírgula ao dobrar a esquina e ficar olhando, olhando, a quebra que ela faz no que já não está inteiro. Como as ruas vazias, becos, aquilo do que não está escrito. Não no papel, mas se vê impresso na pele do mundo, por todos os cantos. Cantos da boca, em que o escritor mastiga a vírgula.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

JG de Araújo Jorge




Nasceu em 20 de maio de 1914, na Vila de Tarauacá, Estado do Acre. Filho de Salvador Augusto de Araújo Jorge e Zilda Tinoco de Araujo Jorge.Descendente, pelo lado paterno de tradicional família alagoana, os Araujo Jorge. Sobrinho do embaixador Artur Guimarães de Araujo Jorge, ( autor de inúmeras obras sobre Filosofia, História e Diplomacia), sobrinho neto de Adriano de Araujo Jorge , médico, escritor, grande orador, que foi Presidente perpétuo da Academia Amazonense de Letras, e do Prof. Afrânio de Araujo Jorge, fundador do Ginásio Alagoano, de Maceió.Descende pelo lado materno dos Tinocos, dos Caldas e dos Gonçalves, de Campos, Macaé, e S. Fidélis, Estado do Rio. Passou sua infância no Acre, em Rio Branco, onde fez o curso primário no Grupo Escolar, 7 de Setembro.

No Rio , realizou o curso secundário nos Colégios Anglo-Americano e Pedro II Colaborou desde menino na imprensa estudantis. Foi fundador e presidente da Academia de Letras do Internato Pedro II, no velho casarão de S.Cristovão, consumido pelas chamas muitos anos depois. Data dessa época, ainda ginasiano, sua primeira colaboração na imprensa adulta: em 1931 viu publicado o seu poema "Ri Palhaço, Ri" no "Correio da Manhã", depois transcrito no "Almanaque Bertand" de 1932.Entretanto, este como outros trabalhos desse tempo, não foram incluídos em seus livros.

Colaborou também no jornal " A Nação" ; nas revistas: " Carioca", "Vamos Ler", etc. Formou-se pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.Em 1932, No Externato Colégio Pedro II, em memorável certame, foi escolhido o " Príncipe dos Poetas", sendo saudado na festa por Coelho Neto, "Príncipe dos prosadores brasileiros" recebendo das mãos da poetisa Ana Amélia, Presidente da Casa do Estudante, como prêmio e homenagem, um livro ofertado por Adalberto Oliveira, então " Príncipe da Poesia Brasileira".

Na Faculdade de Direito foi o fundador e o 1º Presidente da Academia de Letras, que teve como patrono Afrânio Peixoto, então professor de Medicina Legal.Foi locutor e redator de programas radiofônicos, atuando nas Rádios Nacional, Cruzeiro do Sul, Tupi e Eldorado. Em 1965, era professor de História e Literatura, do Colégio Pedro II.Orador oficial de entidades universitárias, (do CACO da União Democrática Estudantil, precursora da UNE, da Associação Universitária, etc), ainda estudante, venceu concursos de oratória. Em Coimbra recebeu no título de " estudante honorário" e fez Curso de Extensão Cultural na Universidade de Berlim.

Com irrefreável vocação política, foi candidato a vários cargos públicos. Elegeu-se Deputado Federal em 1970 pela Guanabara, reelegendo-se já para o seu terceiro mandato em 1978 . Ocupou a vice-liderança do MDB e a presidência da Comissão de Comunicação na Câmara dos Deputados.Politicamente participou sempre das lutas anti-fascistas, como democrata e socialista. Lutou, ainda estudante, contra o "Estado Novo".

Foi preso e perseguido várias vezes durante esse período . Deixou de ser orador de sua turma por estar detido na Vila Militar, sob as ordens do Gal. Newton Cavalcanti, durante todo "estado de guerra" de 1937.

Foi conhecido como o Poeta do Povo e da Mocidade, pela sua mensagem social e política e por sua obra lírica, impregnada de romantismo moderno, mas às vezes, dramático. Foi um dos poetas mais lidos, e talvez por isto mesmo, o mais combatido do Brasil.Faleceu em 27 de Janeiro de 1987.




O Poeta Fala. ( J.G. de Araujo Jorge)

- Artigo publicado na seção "VIDA LITERÁRIA", de Otto Scheneider.("VIDA DOMÉSTICA", agosto de 1956.)


"O fato de ser compreendido com a minha poesia lírica e social, é para mim a minha maior glória. Isto de dizerem que a poesia que se vende é dequalidade inferior é mágoa. Olavo Bilac, Raul de Leoni, Augusto dos Anjos, Castro Alves se vendem. Bandeira também se vende.""Trabalho em publicidade e conheço o poder da publicidade. Possogarantir que não tenho "agencia" para vender meus livros. Eles sevendem por si mesmos."


"Sou um homem sem profissão, "de 7 instrumentos", por força das circunstâncias. Tanto esscrevo anúncios, crio "Isto faz um bem !"para vender xaropes e enriquecer os outros, como dou aulas de História,ou componho um poema. Fora da Poesia, a política seria o meu rumo.Tenho cá na cachola algumas idéias que gostaria de realizar a favor dacoletividade. Certos problemas brasileiros, econômicos e administrativos, há anos me apaixonam e, infelizmente, não tenho tribuna e meios para debatê-los e concretizá-los."


"Estou cada vez mais convencido de que a liberdade tem sido uma palavra há milênios desfraldada sobre a miséria da maioria, e há três séculos manejada pela burguesia em seu proveito. Por isso acho que serlivre é não ter fome, não ter medo da vida, não viver ao desamparo, terdireito à terra, à educação, à saúde, ao trabalho, a viver com o mínimonecessário para que não seja apenas um animal explorado pelo dinheiro."

"E o resto é silêncio..."



As Chaves


Felizes os homens que tem as chaves

porque só encontram portas abertas...


Como podem tantos homens dormir

sossegados e felizes de portas fechadas,

quando essas portas se fecham para tantos homens

que ficam sempre ao relento

e nunca podem entrar?


Neste mundo de tantas portas,

quando teremos cada um, a sua chave,

e a sua hora de voltar?...

(1944)


(Poesia de JG de Araújo Jorge, extraídado livro " Mensagem" - 1966)



Vermelho e branco


O sangue vermelho

do homem branco,

do homem prêto,

do homem amarelo,

o sangue é vermelho,

é um sangue só.


O leite branco

da mulher branca,

da mulher prêta,

da mulher amarela,

o leite é branco,

é um leite só.


Deus pôs por dentro de homens

e mulheres

de aparências tão diferentes,

uma humanidade só:

- o mesmo anseio,

a mesma fome,

o mesmo sonho,

o mesmo pó;


o mesmo sangue vermelho,

da côr da vida, da côrdo amor,

e mais:

o mesmo leite branco,

da côr da paz.


(Poema de JG de Araujo Jorgedo livro – Mensagem – 1966 )

sábado, 1 de novembro de 2008

SOLANO TRINDADE




Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs

Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.

Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso

Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou

Na minh'alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação...





CANTO DA LIBERDADE

Ouço um novo canto,
Que sai da boca,
de todas as raças,
Com infinidade de ritmos...
Canto que faz dançar,
Todos os corpos,
De formas,
E coloridos diferentes...
Canto que faz vibrar,
Todas as almas,
De crenças,
E idealismos desiguais...
Š o canto da liberdade,
Que está penetrando,
Em todos os ouvidos

HISTÒRIA DE VIDA
Por Márcio Barbosa

O Embu é um agradável município distante cerca de uma hora do centro de São Paulo. Embora tão próxima à metrópole, a cidade guarda um clima bucólico, aconchegante. Na região central, ao redor da praça onde se realizam as tradicionais feiras de arte e artesanato, concentram-se antiquários, artistas plásticos, lojas de móveis rústicos e restaurantes típicos. Quem chega no Embu aos domingos, quando é grande o movimento de turistas, não imagina que está diante da concretização do sonho de artistas negros, dentre eles o grande poeta Solano Trindade, pesquisador das nossas tradições populares, teatrólogo, pintor e boêmio; um ser humano de grande carisma e visão, para quem a arte representava parte essencial da vida.


O palco é Recife, 1908. Ali, no bairro São José, no dia 24 de julho, nasceu Solano. Seu pai, o sapateiro Manuel Abílio, dançava Pastoril e Bumba-meu-boi. Solano o acompanhava. Já sua mãe, Emerenciana, quituteira e operária, pedia que lesse para ela novelas, literatura de cordel e poesia romântica. É fácil imaginar nesse clima as cortinas da arte abrindo-se, os olhos do menino brilhando diante do espetáculo que a cultura popular proporcionava.


Cena 1: 1934. Realização do I e II Congressos Afro-Brasileiros no Recife e em Salvador. Solano participa dos dois. A década de 30 é marcada por uma releitura da questão racial brasileira, especialmente depois que Gilberto Freyre lança seu Casa Grande & Senzala. Intelectuais brancos tendem a valorizar a contribuição cultural dos descendentes de africanos.


Cena 2: 1936. Solano funda o Centro Cultural Afro-Brasileiro e a Frente Negra Pernambucana, uma extensão da Frente Negra Brasileira. Publica os seus Poemas Negros. Cena 3: Inquieto, Solano viaja para Minas Gerais e depois para o Rio Grande do Sul, onde cria, em Pelotas, um Grupo de Arte Popular. O homem de andar manso, cabeça cheia de planos e energia inabalável foi depois para o Rio de Janeiro. Em 1944 publicou o livro Poemas de uma Vida Simples. Em 1945, junto com Abdias Nascimento, criou o Comitê Democrático Afro-Brasileiro. Com Haroldo Costa fundou o Teatro Folclórico. Atuou em filmes como A hora e a vez de Augusto Matraga e O Santo Milagroso. Na cidade maravilhosa, Solano era freqüentador do Café Vermelhinho, onde se reuniam intelectuais, políticos, jornalistas, escritores e artistas de teatro. Ali era amigo de pessoas como o Barão de Itararé e Santa Rosa. Filiou-se ao Partido Comunista, as reuniões da célula Tiradentes ocorriam na sua casa.




Durante a perseguição aos comunistas, empreendida pelo governo Dutra, entram na casa de Solano. Seu filho, Liberto, está deitado, doente. A polícia vira o colchão, à procura de armas, Exemplares de seus livros são apreendidos. A filha Raquel lembra: "Papai jamais esconderia armas. Sua luta era feita com idéias". Preso, ele não se abala. Raquel e a mãe, Margarida, percorrem as cadeias até encontrá-lo. Quando sai, Solano parece fortalecido. Embora tenha olhos tristonhos, seu otimismo é contagiante, nasce do seu amor pela arte e pela vida. Continua escrevendo, fazendo teatro e espalhando sonhos e esperanças por onde passa. O interesse de Solano pela cultura popular ia além da teoria: não se cansou de fundar grupos teatrais. Preocupava-se com o que chamava de folclore, com as danças populares. Dizia sempre que era necessário pesquisar nas fontes de origem e devolver ao povo em forma de arte. Sua experiência mais bem sucedida neste sentido foi o Teatro Popular Brasileiro, criado por ele, por sua esposa Margarida Trindade e pelo sociólogo Édison Carneiro em 1950. O TPB fazia uma leitura séria de danças como maracatu e bumba-meu-boi. Também promovia cursos de interpretação e dicção. Era formado por operários, estudantes, gente do povo. Convidado a ir à Europa, o TPB mostrou seu trabalho em vários países. De volta ao Brasil, Solano vem a São Paulo e é convidado pelo escultor Assis para apresentar-se no Embu. Leva todo o seu grupo. Dormem no barracão de Assis nos finais de semana, quando mostram sua arte para um número cada vez maior de pessoas. Participam da peça "Gimba", de Gianfrancesco Guarnieri e, em 1967, apresentam-se para um dos criadores da Negritude: Leopold Senghor. Solano apaixona-se pelo Embu, muda-se para lá e sua casa torna-se uma núcleo artístico. Embora na cidade já houvesse um movimento com artistas como Sakai e Azteca, é a atividade de Solano e Assis que faz surgir a feira de artesanato e revoluciona o local, aumentando o fluxo turístico. Solano chegou a ser conhecido como "o patriarca do Embu". A casa e o coração de Solano estavam sempre prontos para receber as pessoas. Na panela, havia comida para quem chegasse fora de hora. Ironicamente, no final de sua vida, vários desses amigos se afastaram, mas talvez este seja o cruel destino de alguns grandes criadores, de profetas e poetas assinalados. A poesia de Solano o marcou. Orgulhava-se ser chamado de "poeta negro". Foi comparado a importantes escritores como o cubano Nicolas Guilhén - de quem foi amigo - e o americano Langston Hughes. Na poesia afirma sua descendência, mostra orgulho:
Sou negro
meus avós foram queimados pelo sol da África
minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs.


Sensível às injustiças, denuncia as condições de vida às quais o povo é submetido. Talvez, por isso, alguns críticos insistam em ressaltar apenas um lado de sua poesia, dizendo, erroneamente, que ela era mais social do que negra, como se os dois aspectos se excluíssem. Sua poesia, carregada de sentimento, expressa inconformismo, com simplicidade e beleza. Carlos Drumond de Andrade disse o seguinte sobre alguns de seus poemas: "Há nesses versos uma força natural e uma voz individual rica e ardente que se confunde com a voz coletiva". Um de seus trabalhos mais famosos, intitulado "Tem gente com fome", foi musicado e gravado por Nei Matogrosso: Trem sujo da Leopoldina correndo correndo parece dizer tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome O ritmo é o de um trem em movimento. No final, quando vai parando, a voz ouvida pelo poeta exige: se tem gente com fome, dá de comer. Solano também cantou continuamente o amor. Antes de Che Guevara poderia ter encarnado o mote endurecer-se, mas sem perder a ternura: A vida me deu uma negra para eu fazer poema nesta manhã com cheiro de infância Casou-se três vezes e teve quatro filhos. Raquel Trindade, que hoje continua o trabalho do pai no Embu, descreve-o: "Existem artistas que aparentam ser uma coisa e, no fundo, são outra. Papai mostrava-se como era. E era um pai fantástico".

Último ato: esse poeta, que dava-se completamente à arte e à vida, não teve bens materiais. Seu trabalho favoreceu a muitos, mas não lhe deu sequer uma casa. Talvez não pensasse na velhice e em adoecer. Porém, acumulando inimigos e desilusões, foi se amargurando. O TPB, sem incentivo, não sobreviveu. A partir de 1970 a saúde começou a apresentar problemas. Morreu no Rio, em 1974. Mas em 1976, voltou aos braços do povo, na avenida. Foi tema da escola de samba Vai-Vai, com enredo elaborado por sua filha Raquel. Os versos do samba de Geraldo Filme ainda ecoam: Canta meu povo, vamos cantar em homenagem ao poeta popular Vai-Vai é povo, está na rua saudoso poeta, a noite é sua. Sua máxima, "devolver ao povo em forma de arte" serviu para inspirar a escola de samba Quilombo, do Rio de Janeiro. Solano deixou 5 livros publicados, o último foi "Cantares ao meu povo". Deixou também uma peça de poemas inéditos. Deixou, acima de tudo, exemplos de sabedoria e lições para que o povo negro se orgulhasse das suas origens étnicas e de suas tradições culturais. Possuía a felicidade dos homens que se dedicam a uma grande obra e se confundem com ela. Quase no fim da vida, afirmou que tinha de haver maior solidariedade entre os negros de todo o mundo, os quais deveriam se reunir aos brancos que são contra o racismo. Solano de barba e cabelos brancos: a imagem pode ser a de um operário, de um lutador, de um sábio. Esquecido por alguns, lembrado por muitos, ele vive na obra que deixou. Palavras escritas num poema à filha Raquel se tornam proféticas: Estou conservado no ritmo do meu povo Me tornei cantiga determinadamente e nunca terei tempo para morrer.

CANTO À AMADA

Eu tenho uns versos bonitos
pra cantar pra minha amada
sempre sempre desdobrada
em beleza e formosura

Ontem minha amada estava
dentro da cara da Lua
numa garota da rua
no palhaço da folia

Um dia vi minha amada
nas águas do grande mar
outra vez a encontrei
num belo maracatu

Numa canção ela estava
num samba estava também
estava numa boa pinga
sempre está no meu amor

Eu tenho uns versos bonitos
pra cantar pra minha amada
sempre sempre desdobrada
em beleza e formosura











Raquel Trindade Declama TEM GENTE COM FOME se Solano Trindade



Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dzier
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu





v

Serginho Poeta



Negro poeta de esquina


Meia noite no gueto
Tem um preto parado na esquina
- Será ladrão ou vendedor de cocaína?
Se perguntam os tripulantes da barca são-paulina
Que se aproximam para abordá-lo
interrogá-lo e espancá-lo
Não necessariamente nesta ordem, é claro

O homem permanece inerte
Ainda assim
Recebe um soco no rosto
Que é dado com gosto
Enquanto um segundo soldado
De um posto maior
Desfere-lhe um chute
Não há quem não escute, naquela noite
O açoite moderno
Mas só quem vê é o azul eterno
O celeste noturno...
Cassetete, coturno; cassetete, coturno!

Por um momento
Cessam então o linchamento e ordenam:
- Fala negro, não me enrola
o que faz na rua a essa hora?

- Venho aqui para fazer poesia
Sou poeta da lua
Por isso, troco a noite pelo dia
E é tão triste quem na lua se inspira
Apaixona-se por ela, tornando-a sua lira
Mas apesar dessa paixão que no peito tranca
Não pode com a mão tocar a bola branca
Invejo os astronautas
Eu, poeta, aqui tão distante
E eles, meros militares, lá em cima,
Nos braços da minha amante
Sou poeta da rua.
E nesse caminho estreito
Aprendi a andar, a cair, a levantar
E a ter respeito... Mas nunca temer!
É isso, senhores, o que eu tenho a lhes dizer
Agora, espero que me deixem
Continuar olhando o céu
Pois negro já nasce poeta
Mas também já nasce réu
- Ah, mas negro poeta
Isso é afronta! É passar demais da conta!

Meia-noite no gueto
Tem um preto morto na esquina
Os olhos abertos, o corpo ferido
O céu todo refletido no centro da retina
Não era ladrão, nem vendedor de cocaína
Era simplesmente um poeta
Sem escola, sem berço...
Um poeta de esquina


Soldados de Chumbo






Quando apagam a luz
Da última cela do meu pavilhão
Um clarão vem iluminar a minha janela
É a lua
Não sei o que seria de mim se não fosse ela
O sentinela caminha de um lado para outro
Acende um cigarro...
Um carro passa por trás da muralha
Não posso vê-lo, apenas ouvi-lo
Não posso tocá-lo, mas posso senti-lo
É engraçado
Não fosse pelo andar desengonçado
Pela deselegância
Diria que o homem fardado
Se parece com alguns soldados de chumbo
Que ganhei na minha infância
Minha mãe trabalhava
Por quanto tempo durasse o dia
E acaso, não fosse o bastante
Seu esforço tinha a noite como companhia
Às vezes, me levava para o emprego
E eu ficava confinado à área de serviço
Talvez porque a patroa não gostasse de negros
Circulando pelos cômodos do seu luxuoso cortiço


Quando acordava de bom humor
Danava-se a falar do moleque sem cor
Que queria que fosse engenheiro
Sei que minha mãe sonhava pra mim
Um futuro semelhante
Mas quando olhava pro neguinho
Com ar de maloqueiro
Arriava o semblante e sofria
Como quem descobre uma infinita distância
Entre desejo e realidade

Certo dia
A madame me deu de esmola
A Guarda Real Britânica
Em formato de miniaturas
Criaturas sem pernas ou braços
Que o pequeno engenheiro enjoou
Eu tinha, lá em casa
Uma tribo com dezenas de caixas de fósforos
Daquelas amarelas
Com a figura de um índio estampado nos rótulos
Vivazes, meus amigos me eram sagrados
E estavam sempre prontos
Para conterem a invasão
Dos soldadinhos amputados
Outros mais me foram dados
Mas minha tribo sempre vencia
Por mais que o pelotão crescesse
Era como se pelo menos ali, naquele dia
O neguinho também vencesse

Eu era pequeno, gigante na minha imaginação
Não creio que o fabricante mais astuto
Pudesse imaginar que seu produto
Fosse além de acender cigarro ou fogão

À noite
Quando minha mãe voltava pra casa
Silenciávamo-nos a todo custo
Para velarmos seu sono tão justo
Depois, cada peça do meu invento
Ia para debaixo do colchão
Ao lado do bloco de cimento
Que sustentava minha cama
A dois palmos do chão
Quando Deus achou que era a hora
Resolveu levar minha santa senhora
Antes que ela pudesse perceber
No que a vida me transformou
Se foi ganância, fraqueza ou necessidade
Não sei
Ninguém nunca me explicou

Amanhã, é dia de visita
Meu filho, a criança mais bonita
Virá me conhecer
Vou rezar até o amanhecer
Para que a vida também não o torne um bandido
Para que seja talvez como minha mãe sonhou
Um profissional bem-sucedido
E se acaso eu perceber
Que ainda existe uma infinita distância
Entre desejo e realidade
Maior terá que ser meu pensamento
Mais forte há de ser minha vontade!



Serginho Poeta